terça-feira, 27 de julho de 2010

Reflexões _ Diversos olhares.

Antes de mais nada devemos entender que o suicídio é um problema sociológico, inerente à natureza humana, é uma tendência coletiva do organismo social. Simplificando: toda sociedade, em todos os tempos, teve uma porcentagem de suicídios em sua história. Os suicídios ocorrem mais nos lares que nos manicômios, diferentemente do que esperamos, os indivíduos comprometidos mentalmente apresentam um número inferior de suicídios que os “normais”.
Ainda, há um movimento em direção ao isolamento individual que leva à tendência suicida, uma influência desintegradora da individualidade. O suicídio é uma das possibilidades humanas. A morte pode sim ser escolhida, aceita e participativa.
Apesar de todos os contrários a filosofia é, antes de mais nada, a busca da morte e do morrer, é o único absoluto na vida, a única certeza e verdade, o único a priori humano. Sêneca e Jung partilham a idéia que não está pronto para viver quem não está preparado para morrer.
Nem todo suicídio é evidente, um acidente pode ser um substituto do suicídio direto, assim como uma doença auto-imune.
Muitos pacientes podem aparecer com quadros que tendencionam o suicídio: marcas em seu pulso, câncer terminal seguido de dores e falta de perspectivas de não sofrer mais, acidentes, um “chamado ancestral” de histórico familiar de suicídio, luto, perdas...a lista é longa e, muito mais vezes do que se pensa, não há razão racional ou fenomenológica conhecida.
O suicídio rompe o contrato social, desestrutura o entorno do suicida, a única exceção é a insanidade. A lei nos determina viver, a teologia nos ordena viver. Assim o suicídio é uma anomia e também é antiteológico.
A medicina exige a preservação da vida do paciente de qualquer maneira, a análise é um compromisso com a alma, e é nela que se deve procurar a justificativa para o suicídio.
A primeira coisa que um paciente quer de um analista é torná-lo consciente de seu sofrimento e atraí-lo para seu mundo de experiência. O analista é sua testemunha, não está lá para aprovar, condenar, alterar ou prevenir.


Esta é a diferença gritante do médico para o analista, enquanto um está lá para impedir a morte determinantemente e a qualquer custo, o outro, o analista, está lá para compreender a visão da morte na alma. A psicologia se divide em dois aspectos frente a esse fenômeno: um busca compreender pelo lado de dentro, outra tenta explicar pelo lado de fora.
Hillman nos ensina que é preciso encarar o suicídio não apenas como uma saída da vida, mas como uma entrada na morte.
O analista precisa levar a conhecer o assassino interior, quem é essa sombra , e o que ela quer. O suicídio é sempre uma questão individual para o analista e não coletiva como o é para a sociologia e para outras correntes da psicologia. Daí Jung nunca ter se preocupado com classificações, psicodiagnósticos, patologias, a preocupação de Jung sempre foi a alma e essa é única, embora tenha em suas profundezas arquétipos com os quais se relacionar e se manifestar. “Toda análise defronta-se com a morte de uma forma ou de outra”.
“A alma sofre muitas experiências de morte; contudo, a vida física continua; e, quando a vida física chega a seu termo, a alma frequentemente produz imagens e experiências que demonstram continuidade. O processo de conscientização parece ser interminável. Para a psique, nem é a imortalidade um fato, nem é a morte um fim.”.
“A depressão restringe e nos concentra no essencial e o suicídio é a negação final da existência em favor da essência.”
Na perspectiva da psicologia analítica, mortal, finito, é o ego. A alma existe na esfera do atemporal e do aespacial. E é a alma que deseja experienciar o suicídio. O analista deve ter sempre presente em seu espírito que sua aliança não é com o corpo ou com a família do cliente, mas com a alma, ele não pode e não deve negligenciar esse desejo. “Toda vez que o tratamento negligencia diretamente a experiência, enquanto tal, e apressa-se em reduzi-la ou superá-la, algo está sendo feito contra a alma; porque a experiência é o alimento próprio e único da alma”.
É preciso buscar o sentido do suicídio na psique do suicida, é aí que se encontra o seu significado. Mesmo que ele esteja com uma doença grave, com uma decepção amorosa, ou tenha passado por uma perda irreparável, perdido seus bens materiais, a sua honra, ou o quer que seja, devemos entender que com um desses motivos, ou sem motivo algum, a morte pode ser escolhida, e só a alma conhece suas razões.
O ser humano necessita experienciar a morte para entender o mito do significado da própria vida. Essas experiências nos levam a enfrentar questões últimas da existência, é a nossa possibilidade de redenção e de comunhão com o absolutamente outro. A morte orgânica vinda de fora tira-nos essa experiência: “O impulso para a morte não precisa ser concebido como um movimento contrário à vida; pode ser uma exigência para um encontro com a realidade absoluta, uma exigência para uma vida mais completa através da experiência da morte”.

O que a alma busca através das tentativas suicidas é resignificar a vida.


Podemos justificar nossas ações quando essas dizem respeito ao impedimento da liberdade de outrem?

Somos dignos de julgar o suicídio quando estamos tão cegos e surdos à nossa própria alma, que não fazemos idéia do que busca aquele que aborta a própria existência?


Se podemos compreender que sua atitude é decorrência da esfera da alma, e não do orgânico ou do mental, temos meios e equilíbrio para ajudá-lo não negando ou recriminando mas levando-o à realização no campo simbólico?

E, principalmente, estou tão integrado à minha própria alma que posso acessar, através dela, e só dela, a alma do outro?


Na perspectiva da alma o suicídio é o alcance deliberado da plenitude da vida, é o encantamento da alma. Pode, também, em situação extrema, ser por total desencantamento do mundo e de si mesmo, em ambas circunstâncias é um ato de extrema coragem e solidão.
“Conhecer uma história de alma significa capturar emoções, fantasias e imagens, entrando no jogo e sonhando o mito junto com o paciente”.
“À medida que uma análise prossege, desloca-se interiormente da história de caso para a história da alma, isto é, explora os complexos mais por seus significados arquetípicos do que por sua história traumática.”
“Pelo fato de uma história de caso sempre encerrar-se com a morte, ela não pode contar a história inteira. É limitada pelo tempo. Não há seguimento. A alma, porém, parece ter elementos de premonição e transcendência. Para a alma, é como se a morte, e até a maneira e o momento de nela adentrar, fossem irrelevantes, como se isso fosse indiferente, quase como se absolutamente não houvesse morte para a história de alma”.



Ercilia Simone Dalvio Magaldi
Reflexões sobre a obra de James Hillman “Suicidio e Alma”, Jung e Émile Durkheim “O Suicídio”, Sêneca “Sobre a Brevidade da Vida”.

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